sábado, 10 de outubro de 2009

O POETA E O SEMEADOR








Durante o dia a imagem nada mais é
que uma estátua imóvel...


“Eis que o semeador saiu a semear.” O dia de hoje é a sementeira, e as suas ações, as sementes. A terra está pronta para recebê-las, e só depende de você. Colher flores perfumadas e belas, não importa quanto tempo vai demorar. Ou espinhos e cipós que enroscam a vida, é sempre muito rápido. Não dá para ficar parado, culpando esse, isso ou aquilo. Ficar presos a fantasmas do passado só adiam a sua colheita. Ser pessoa de bem sempre, este é seu lema, então ensine a pescar, ensine a plantar, com seu dom maior que cura a alma de tantos.Dedica-te ao bem, e o Bem Maior, e, encherá teus celeiros com fartura.O que você tem hoje para oferecer ao Planeta que te acolhe? São sementes do Criador.

..."ao semear, parte da semente caiu à beira do caminho; foi pisada, e as aves do céu a comeram.

Outra caiu no pedregulho; e, tendo nascido, secou, por falta de umidade.

Outra caiu entre os espinhos; cresceram com ela os espinhos, e sufocaram-na.

Outra, porém, “caiu em terra boa; tendo crescido, produziu fruto cem por um...”

É perturbador notar que a mesma semente foi plantada em cada tipo de solo, mas os resultados foram muito diferentes. A mesma palavra pode ser plantada em nossos dias; mas os resultados serão determinados pelo coração daquele que ouve.

“Eis que o semeador saiu a semear.” A cena é atual. Também agora, Tu o semeador lança a sua semente através de seu livro que fica registrado na sua história, na nossa história.

Está é a vida e o comportamento dos que servem ao Bem mudam a história, consciente do que faz vê também que parte da semente cai em terra estéril, ou entre espinhos e abrolhos: há corações que se fecham à luz, ao amor e a poesia.

As Palavra transcritas com certeza é e será como a chuva que cai do céu e não volta sem antes ter produzido seu efeito.



Ao anoitecer o espírito do semeador ,

sai a semear os sonhos que se tornam

estrelas da vida ...





Eu sei, mas não devia






Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos
e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.

E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz,
aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.

E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer filas para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.
A abrir as revistas e a ver anúncios.
A ligar a televisão e a ver comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.

As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
A luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
A contaminação da água do mar.
A lenta morte dos rios.

Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães,
a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.

Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui,
um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.

Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,
de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Marina Colasanti